sábado, 30 de maio de 2015

A resistência negra no futebol brasileiro.

O Brasil é um país singular, desde o começo da escravidão, o país foi um dos que mais receberam negros vindo da África, mas após a abolição da escravatura, os negros agora livres, continuavam à margem da sociedade. Mas como em todo a sociedade, o futebol também se popularizou perante os negros, de inicio, de acordo com Santos, os negros começaram a praticar o futebol para não serem molestados pela policia, já que as forças policiais apresentavam restrições à capoeira, pois todas as manifestações culturais “não-brancas” foram sistematicamente desqualificadas como símbolo de selvageria, de propriedade de um mundo maligno e essencialmente sensual, primitivo, que não tinha capacidade na perspectiva oficial de "europeização". Os ritos do candomblé, da capoeira e do samba, práticas todas elas de origem afro-brasileira, foram totalmente proibidas e severamente reprimidas no espaço público.

O futebol foi uma das únicas coisas que sobraram, talvez porque era um esporte europeu. Mas mesmo com a facilidade de pratica-lo, o negro, o mulato, o pobre não tinha, espaço nos clubes brasileiros, mas isso estava mudando.

Já durante as primeiras décadas de futebol no Brasil ficou claro que a não aceitação do negro nesse espaço seria prejudicial à nação. E um jogador em especial foi essencial para essa percepção. Arthur Friedenreich, filho de um alemão e uma brasileira, negra, ex-escrava. De acordo com registros da época, ele possuía os traços da sua mãe e os olhos de cor verde de seu pai. Friedenreich praticava futebol desde criança e se tornou um craque, “o mulato jogava bola como nenhum outro de sua época” [...] (GUTERMAN, 2009, p. 43). Ele foi um dos primeiros negros a fazer sucesso no futebol brasileiro.

(Friedenreich) https://tardesdepacaembu.files.wordpress.com/2013/05/imagem218.png <acesso em 30/05/2015>


No entanto, antes de ser aceito num espaço para a elite branca brasileira como um negro, Friedenreich utilizava de artifícios para poder jogar futebol sendo negro. Ele procurava alisar o seu cabelo para que fosse aceito no mundo do futebol. Apesar de parecer algo inaceitável na nossa sociedade, o que Friedenreich procurava era o que todo negro naquela época sonhava, a aceitação de uma sociedade explicitamente racista. Alisar os seus cabelos foi uma forma de resistência que pode abrir as portas para o negro no futebol brasileiro.

Outros jogadores utilizaram de artifícios para disfarçar a cor e poder jogar futebol sem serem incomodados. Carlos Alberto do Fluminense, mulato, passava pó de arroz no rosto, deixando-o mais branco.

(Imagem de uma novela da globo que retrata um negro passando pó de arroz no rosto para jogar futebol). http://imguol.com/blogs/2/files/2013/02/ladoaladofutebol3.jpg <acesso em 30/05/2015>


A miscigenação da sociedade abrasileirou o futebol e apresentou características que só poderiam ter aparecido nas terras tupiniquins, com as sociedades que aqui se faziam presente, explicando o sucesso que o esporte alcançou nos pés dos brasileiros. Só que em uma sociedade que acabara de sair da escravidão, o racismo era uma dos principais pilastras de sua base e o negro não era aceito em vários mundos da sociedade, o mundo do futebol estava entre esses. Mas o futebol foi um fator essencial de luta e espaço de resistência para os negros no Brasil, foi através do futebol que o negro pode demonstrar seu valor.
Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o estudante, o branco, tinha que competir, em igualdade de condições, com o pé-rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto para ver quem jogava melhor. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro. (MARIO FILHO, 2003 apud GUTERMAN 2009, p.55)

E a seleção brasileira também foi responsável por apresentar a sociedade brasileira, o quanto o futebol necessitava do negro. Em 1919, no Sul-Americano, realizado no Brasil, Friedenreich fez o gol brasileiro na final, em cima do Uruguai, aos olhos de grande parte da elite brasileira, que abraçou o campeonato e viu um negro ser a sensação da final.

A partir desse gol de Fried, o Brasil notou que seus negros e seus pobres (o que quase dava no mesmo) podiam ter algum valor. O país, inebriado pela conquista inédita, enamorado de seu craque exótico e já com sintomas evidentes de estar tomado pela febre do futebol, concedeu que esse esporte havia transbordado as muralhas dos clubes de ricos brancos, ainda que estes não suportassem essa ideia, resistindo a ela o quanto podiam. (GUTERMAN, 2009, p.46)

O sentimento de união que a seleção brasileira proporcionou a sociedade mudou profundamente sua visão em relação ao negro e ao pobre. Em 1930, a seleção brasileira disputava sua a primeira Copa do Mundo, no Uruguai. Ganhar a copa significava demonstrar o poder do Brasil perante os outros países e para isso o país precisava mandar os seus melhores jogadores, mesmo se fossem pobres ou negros. Em 1938 foi a consolidação do negro no futebol brasileiro. Disputada na França o país enviou o que tinha de melhor pois estava disposto a conseguir o titulo.

A seleção que disputou a Copa de 1938 foi a perfeita tradução dos objetivos do varguismo. Sua formação incluiu jogadores negros e brancos, inspirando conclusões sobre as vantagens da miscigenação brasileira, inclusive no que dizia respeito à harmonia social, tão perseguida pelo regime. Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, era o símbolo de um time feito para levar ao mundo a força de um país que se afirmava como singular [...]. (GUTERMAN, 2009, p.81).

Mesmo com a derrota nas semifinais para a Itália, a seleção brasileira passou por adversários como a Polônia e a Tchecoslováquia e encantou a sociedade brasileira. Gilberto Freyre escreveu: “Creio que uma das condições da vitoria dos brasileiros nos encontros europeus prende-se ao fato de termos tido a coragem de mandar à Europa desta vez um team francamente afro-brasileiro”.[1]  

A miscigenação brasileira criou um país singular e sua influencia não foi diferente. Tínhamos e temos aqui tanto no futebol quanto na sociedade, a presença de raízes europeias, indígenas e negras. Mas a copa de 38 foi a demonstração para o mundo todo, que o Brasil tinha passado por cima do preconceito e do racismo e que tinha construído a sua sociedade amparada nas raças existentes aqui.  A grande exibição da seleção brasileira fez com que “a mestiçagem e a negritude” passassem “a ser vistas como valor positivo e não mais negativo. (HELAL; GORDON JR, 1993, p.155).

O negro tinha conseguido, através do futebol ele conseguiu ser notado e ter importância, algo que ele não tinha conseguido em outros campos sociais. Foi o futebol e as conquistas dos negros dentro do esporte que fizeram a sociedade o aceitar. O futebol foi um espaço de resistência negra durante as primeiras décadas do século XX

(Seleção Brasileira de 1958, foto oficial do primeiro titulo em Copas do Mundo, metade do time titular era formado por negros). http://mochileiro.tur.br/copa-1958.htm <acesso em 30/05/2015>



[1] Correio da Manhã, Rio, 15/06/1938, p. 6. 

Referencias: GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil. São Paulo: Contexto, 2009

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