(Jogo entre Barcelona e Real Madrid, disputado no Camp Nou – Campo do Barcelona – é possível ver as bandeiras da Catalunha e um mosaico formado por torcedores pedindo a independência da região).
De início, trazemos o exemplo do maior clássico da
atualidade no futebol mundial e como esse clássico ultrapassa a esfera
esportiva e entra na esfera política, demonstrando que o futebol é uma
continuação da sociedade.
Na
Espanha, apesar de poucas notícias atuais sobre a violência no clássico Real
Madrid e Barcelona, ele já foi muito violento, muito culpa da Guerra Civil
Espanhola, que assolou a Espanha na segunda metade da década de 30.
Criado
em 1902, o Madrid FútBoll Club, na capital espanhola, o clube caiu nas graças
da monarquia espanhola, nas primeiras décadas do século XX e ganhou em 1920, do
Rei Alfonso XIII, um símbolo importante de poder monárquico, uma coroa, que foi
posta em seu escudo. Para se afirmar como um time da monarquia, a sigla “Real”
foi introduzida, fazendo com que o time da capital Madrid, mudasse o nome para
Real Madrid Club Fútbol. Um pouco antes, em 1899 o Fútbol Club Barcelona é
criado na cidade de Barcelona. Durante as primeiras partidas, ainda era
possível ver o cavalheirismo entre os dois clubes, fruto do sentimento de fair
play que ainda estava em alta nos jogos de futebol.
No
entanto, o sentimento de disputa entre os cidadãos de Madrid e Barcelona é mais
antigo que os próprios times ou o futebol moderno. Durante a Idade Média, o
reino de Castela, onde fica a cidade de Madrid, e o reino de Catalunha, onde
fica Barcelona foram inimigos e no episodio conhecido como Guerra da Sucessão
Espanhola, com a derrota da Catalunha, ela teve que se render as tropas do
Felipe V de Espanha. O novo rei incorporou os territórios da Catalunha aos da
Espanha. A região deixou de ter um Estado próprio e perdeu seus direitos, além
de ter suas universidades fechadas e o uso da língua catalã ser proibida a
partir de então.
(Regiões da Espanha na Idade Média) http://deconceptos.com/wp-content/uploads/2008/12/regiones-de-espana.gif <acesso em 18/052015>
As desavenças continuaram, mas somente após a Guerra Civil
Espanhola é que o futebol se tornou um espaço de resistência entre os catalães
que procuram a independência do território catalão e os espanhóis que defendem
a unidade do país.
No
inicio da década de 30, com a criação da Segunda República Espanhola, a região
da Catalunha conseguiu se tornar uma comunidade autônoma da Espanha, onde
poderia exercer o seu nacionalismo e a sua cultura. Mas isso durou somente até
o a metade da década. Veio a Guerra Civil Espanhola, que trouxe à tona as
antigas disputas entre os reinos de Castela e Catalunha. Preocupados com a
tendência de esquerda que surgiu no mundo durante a primeira metade do século
XX, o grupo comandado pelo General Francisco Franco tentou dar um golpe de
estado. Sem êxito, a Espanha ficou dividida entre aqueles a favor do golpe e
contra o golpe, causando assim uma guerra civil que durou cerca de 4 anos.
Franco acabou conseguindo a vitória e retirou a autonomia daqueles estados que
a tinham conseguido durante a Segunda República Espanhola, inclusive realizando
pesada repressão à eles.
Terminada
a longa e sangrenta guerra civil espanhola (1936 – 1939, quase 1 milhão de
mortos), o ditador Francisco Franco tentou impor a todos os setores da vida
nacional uniformidade que superasse a profunda divisão dos anos anteriores.
Proibiu-se por exemplo, o ensino e mesmo o uso público das línguas regionais
para defender o castelhano, idioma oficial e tornado sinônimo de “espanhol”
(quanto a rigor existem vários falares espanhóis, como catalão, basco, galego,
asturiano). (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.104).
Proibidos
de se rebelarem contra o governo, as regiões antifranquistas, como por exemplo,
a região da Catalunha, procuraram utilizar outros meios para resistir às
sanções impostas pelo ditador. As artes, como a literatura e a pintura
demonstraram as atrocidades cometidas pelo atual governo, que bombardeou a
cidade de Barcelona, atingindo a sede do clube. Além das artes, o futebol
também se tornou um símbolo essencial para buscar a independência do
território, pois foi através dele que os sujeitos puderam extravasar suas
vontades.
[...]
Ora, o separatismo anticastelhano e antifranquista vinha, sobretudo de bascos e
catalães, exatamente aqueles que dominavam o futebol espanhol [...] O
Barcelona, sobretudo, tornou-se o maior símbolo antifranquista. O escudo do
clube traz as cores da bandeira da Catalunha e de certa forma é outra bandeira
da comunidade. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.104).
Invasões Franquistas à Barcelona durante a Guerra Civil Espanhola
http://www.areamilitar.net/HISTbcr.aspx?N=87 <acesso em 18/05/2015>
É
o que diz o slogan do Barcelona, “més que
un club”, ou em português, mas que um clube, um símbolo político da
resistência catalã contra a Espanha, a tentativa de através do futebol levar ao
planeta a vontade de se tornar livre de um estado que para eles, não os
representa.
http://spainticketsonline.info/wp-content/uploads/2012/02/mes-q-2.jpg <acesso em 18/05/2015>
A
torcida do Barcelona não espera os jogos contra o seu maior rival, para
protestar. Em todo jogo, além de bandeiras da Catalunha e pedidos de independência,
a torcida demonstra que não esqueceu os episódios ocorridos durante a Guerra de
Sucessão Espanhola, e aos 17 minutos e 14 segundos do primeiro tempo, se juntam
para exaltar o ano de 1714, quando os catalães ao final da guerra, tentaram um
levante contra a coroa espanhola, foram cruelmente sufocados.
Já
o time do Real Madrid, que de time do rei, passou a time do ditador e agora é o
time que representa a Espanha, representa para seus torcedores a vontade da
capital, em manter sobre controle as regiões que procuram a independência. É
possível ver em todos os jogos do time madridista a bandeira da Espanha, o
respeito ao hino e ao rei espanhol, claramente indo contra os separatistas. O
clube é um sinônimo de força espanhola.
Mas
é no clássico entre Barcelona e Real Madrid que as diferenças são acentuadas. A
grande audiência dos últimos anos, quando o clássico deixou de ser espanhol e
passou a ser mundial, pode ser uma explicação para nós, que não vivemos as
disputas políticas entre os espanhóis e os catalães, mas para os espanhóis e
também os catalães a explicação é que os times representam muito mais que um
clube, eles representam toda uma sociedade que busca no futebol um espaço de
resistência.
Referencia: FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Nesse sentido, quando apresentamos o clássico entre Real Madrid x Barcelona, demonstramos os alunos a ideia de um espaço onde é possível lutar pela independência e pelo o que deseja. É interessante, que os alunos passam por vários seculos de história. Desde a idade média, que demonstrava que a rivalidade não é somente futebolística, até o inicio do século XX, onde entra na Guerra Civil e as mortes que ocorreram, chegando por fim na esfera do futebol.